7. Saúde = educação



O cultivo de hábitos mais ou menos saudáveis
encontra muitas vezes raízes na infância



Fazendo uma retrospectiva até a época em que comecei a pisar na terra firme da saúde, chego a uma ideia muito simples: a saúde é resultado de um conjunto de hábitos e atitudes, portanto, questão de educação.

A partir de agora mencionarei algumas vezes meus três filhos, cuja existência na verdade me incentivou a buscar o equilíbrio delicado que promove a saúde. Durante a primeira gravidez foi que intensifiquei estas pesquisas, e, enquanto eles estiveram sob a minha asa, ou seja, nutrindo-se de alimentos integrais, evitando carnes e porcarias, sua saúde esteve ótima. Consegui manter esse estado de graça até ao começo dos convites para as festinhas infantis dos colegas de escola.

Estou aqui falando da década de 80 e posso dizer que hoje há um pouco mais de consciência sobre maus hábitos alimentares. Já naquela época, as festas infantis eram constituídas por arsenais de frituras e alimentos pesados, tipo coxinhas, cachorros quentes, sorvetes à base de marshmallow, refrigerantes, doces em profusão... Era o império do hamburguer com fritas, ketchup, maionese, e do Mac Donald's, que hoje pelo menos recebe algumas críticas da sociedade.  Infelizmente, a influência do meio era muito forte e eu não fui uma mãe autoritária, entendia que não podia influir diretamente sobre o comportamento dos meus filhos fora de casa, então não me dediquei a fazer lavagens cerebrais, apenas observei os fatos e procurei remediar aos estragos. 

Até a idade da razão todos eles tiveram excelente saúde e, apesar da terrível influência do meio, entendiam bem meus argumentos. Iara, a mais velha, se saiu um dia com esta: Mãe, comida vira gente, né? Isso porém não evitava que ela traçasse dúzias de coxinhas durante as festas... rs Para não falar do constrangimento que eu passava quando ia buscá-los, já que haviam se empanturrado de tudo o que não entrava em casa. Assim, eu era taxada de aquela mãe desnaturada que deixava os filhos passar fome... rs

Posso dizer que, até a adolescência, todos os três tiveram apenas algumas doenças infantis, saudáveis resfriados e febres benéficas.

Poderá um resfriado ser saudável? E uma febre, benéfica? 
Chegamos aqui a um princípio fundamental da filosofia naturista: a doença é uma reação benéfica do organismo para libertar-se do que ameaça seu equilíbrio. Mas este é um assunto que fica para daqui a pouco. Preciso primeiro citar um cientista de quem devorei diversos livros e cujas ideias me marcaram profundamente. Falecido em 2006 e hoje já esquecido, Jayme Landmann* nasceu na Romênia e chegou ao Brasil na infância, a partir da década de 50 teve um papel importante na medicina carioca  e lutou por uma medicina mais humana. Ele foi um visionário, bem à frente do seu tempo, questionou o conceito de doença e levantou polêmicas que só agora começam a agitar o mundo, a partir dos Estados Unidos. Faço muitos votos de que seus livros, já esgotados, voltem a ser publicados, principalmente Medicina não é saúde, A ética médica sem máscara e Evitando a saúde e promovendo a doença.

O Dr. Landmann, cientista social da medicina, questiona o conceito de doença e afirma que doente é quem assim se sente.

De fato, saúde e doença são conceitos vagos, onde prepondera fortemente o aspecto psicossomático e o social. O que às vezes impulsiona um paciente são a procurar um médico, ou impede a uma pessoa com sérios distúrbios de buscar ajuda médica, podem ser condicionamentos sociais. A mãe de família que se coloca sempre em último plano pode, por exemplo, fazer pouco caso de certos sintomas e vir a ter sérios problemas de saúde que poderiam ter sido evitados a tempo. Por sua vez, o hipocondríaco está constantemente desafiando a perícia do médico. Mas será que a hipocondria não é, de fato, doença?... Pessoas infelizes são sérias candidatas a doenças muito concretas. Ainda vou falar bastante de Jayme Landmann em outros capítulos.

As atitudes que cada pessoa toma em relação à saúde encontram às vezes raízes na infância. Quem curtiu, por exemplo, uma caminha quente durante os resfriados e conseguiu assim cabular alguns dias de aula, pode contrair esse vício vida afora; quem teve o exemplo de uma mãe que nunca se deixou abater pela doença, pode vir a assimilar esse comportamento, e assim por diante.

É necessário que a doença não se torne uma fuga, nem um ponto de honra. Os dois extremos revelam posturas pouco... saudáveis.

Quando pequenos, meus filhos costumavam ter momentos de fragilidade, quando eu percebia que gostariam de estar doentes para receber mais atenção. Em outras situações eles me desafiavam abertamente de uma forma até estimulante, como pequenos Golias: Eu vou comer quantas salsichas quiser no aniversário de Fulano e você vai ver que não vou ficar doente!...
Que coisa grandiosa, a autoconfiança infantil!

Este é um ponto chave, autoconfiança é fundamental para a saúde, embora de forma responsável. Quem precisa carregar o médico a tiracolo em qualquer situação está mostrando que não sabe o que é saúde, e provavelmente sente medo de tomar consciência de suas fraquezas orgânicas.

Saúde é questão de educação - sim - e educação não se dá pela pregação, insistência ou sermão, mas pelo exemplo. Não adianta fazer pose para tornar-se exemplo de alguém. Todos servimos de exemplo, queiramos ou não. Às vezes o comportamento nos trai, mostrando diferenças fundamentais entre o que pregamos e o que fazemos. A coerência entre a teoria e a prática é um princípio fundamental da pedagogia. E se aplica também à educação para a saúde.

A mãe que se apavora ante a febre infantil está revelando isto ao filho, por mais que procure disfarçar. A doença costuma deixar as pessoas em pânico. Tem-se a impressão de que entre saúde e doença existe um abismo e que, após a queda, a única salvação é o médico ou Deus. Não quero fazer pouco caso do sofrimento alheio. Penso porém que precisamos adotar uma nova filosofia de saúde, menos dogmática, mais consciente. Para o bem das gerações futuras.

Nas primeiras vezes que a criança tem desequilíbrios de saúde, o exemplo dos pais ou familiares pode marcar profundamente o comportamento futuro. Quando o clima é de calma e confiança, sem traumas, nada de ruim será registrado.

A educação para a saúde começa no berço, à medida que o bebê sente segurança no colo e no leite maternos. Quando a criança começa a interessar-se por alimentos sólidos, vemos que ela olha com interesse o que é servido à mesa dos adultos e muitas vezes rejeita alimentos diferentes. Nessas horas, o exemplo é fundamental. Quando a alimentação do adulto é saudável, não há nada que não possa ser oferecido a uma criança de colo - com moderação e alguma adaptação, é claro: cereais amassadinhos, pedaços de legumes cozidos ou mesmo hortaliças cruas, frutas frescas e secas.

Muitas mães se queixam de que os filhos não comem saladas ou legumes. Elas não teriam este problema se lhes oferecessem, na época da dentição e durante toda a infância, cenourinhas cruas, pedaços de pepino, aipo ou funcho (o bulbo da erva doce, que é uma delícia!), em lugar de mordedores plásticos. Mas, fundamental mesmo, é que a criança perceba que o alimento a ela oferecido é bom para toda a família, sem discriminações. Exigir que uma criança engula à força qualquer alimento é antipedagógico e contraproducente.

Agora você vai querer saber como foi a alimentação dos filhos desta mãe desnaturada, já que fora de casa se lambuzavam de todas as guloseimas que lhes eram oferecidas. Sinceramente, eu nunca tive problemas ao alimentar meus filhos em casa e todos eles podem confirmar isso, não me lembro de nenhuma situação em que o ato de comer tenha sido uma hora estressante ou desagradável. A comida colocada na mesa era suficientemente variada para que todos se satisfizessem, um comia cenoura, outro ervilhas, outro pepino,  o macarrão e o arroz integral eram bem aceitos, sempre havia algo a base de ovos ou queijo, uma vez omelete, outra suflê, muitas frutas de todos os tipos, eu fazia granola e iogurte em casa, bolo integral... Mas é claro que a grama do vizinho é sempre mais verde, e naquela época eu era claramente taxada de natureba por mães e principalmente avós que achavam um absurdo eu privar meus pobres filhinhos, mesmo corados e gorduchos, das batatas fritas, miojos e danoninhos que elas serviam às próprias crianças. Um tempo mais sombrio que o de hoje, quando já se entendem os perigos do excesso de açúcar, frituras, carboidratos etc.

E olha que eu tentei ser legal, rs: uma vez por ano instituía o dia do miojo, o dia do cachorro quente, o dia do Mac Lanche Feliz! Pra que? Pra continuar sendo chamada de mãe desnaturada... rsrs

Depois dessa pausa amena, chegou a hora de explicar o conceito naturista da doença como reação benéfica do organismo. A causa primeira dos desequilíbrios da saúde não reside no exterior do organismo. O agente externo só tem condições de se instalar quando encontra terreno propício. A reação que se sucede, comumente chamada doença, é a maneira que o organismo encontra para libertar-se não apenas do invasor, mas do desequilíbrio que lhe abriu as portas.


* Jayme Landmann - MEDICINA NÃO É SAÚDE / A ÉTICA MÉDICA SEM MÁSCARA / EVITANDO A SAÚDE E PROMOVENDO A DOENÇA ((há outras citações a respeito do grande Jayme Landmann, em outros capítulos deste livro.)


(Na dúvida sobre a ordem dos capítulos deste livro, volte para o Índice.)

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