4. Pérola da antiguidade



Depois que o homem, odioso imitador,
invejou o alimento dos leões e encheu de carne o
ávido ventre, abriu o caminho do crime.
                                                            Ovídio*

Polifemo, o cíclope. Escultura grega ou romana, ca. de 150 AC

Voltando no tempo, percebo que eu fui, aos poucos, mudando meus hábitos de forma gradual, mas constante. Comecei por abolir a carne, mais por motivos éticos que do ponto de vista da saúde. Essa visão é muito antiga. Em suas Metamorfoses, Ovídio* reproduz poeticamente a fala de Pitágoras, nesta pérola encantadora da antiguidade, um texto de vigor impressionante do qual reproduzo alguns trechos:

     Há cereais, há frutos que fazem pender os galhos sob o seu peso, uvas repletas de suco nas videiras. Há ervas de sabor agradável, que se acentua no calor do fogo. E não vos faltam o leite nem o mel perfumado pela flor do tomilho. A terra pródiga vos oferece suas riquezas e deliciosos alimentos, supre as vossas mesas sem exigir matança e sangue.
     Por acaso, entre tantas riquezas que te oferece a Terra, mãe suprema, nada te agrada mais do que mastigar, cruelmente, membros dolorosamente dilacerados, relembrando as bocas escancaradas dos cíclopes?
     Depois que o homem, odioso imitador, invejou o alimento dos leões e encheu de carne o ávido ventre, abriu o caminho do crime. A princípio, foi a morte das feras que esquentou o ferro manchado de sangue. Isso seria bastante, pois admito que podemos, sem ofensa à piedade, matar os animais que nos ameaçam. Sendo, porém, lícito matá-los, não era lícito devorar-lhes a carne. 
     Que mal fizestes, ovelhas e vacas pacíficas, nascidas para satisfazer as necessidades dos homens, que trazeis um néctar em vossos úberes cheios, que forneceis, com a vossa lã, finos tecidos que nos cobrem, vós, que nos sois mais úteis na vida do que na morte? Em que castigo incorreu o boi, animal incapaz de fraude e dolo, inofensivo, manso, nascido para suportar o trabalho? Foi um ingrato o homem capaz de matar, mal aliviado do peso do curvo arado, seu companheiro de jornada, capaz de ferir com o machado o pescoço marcado pelo trabalho, graças ao qual tantas vezes o duro chão foi arado e recebeu as sementes das futuras searas.

Este texto foi para mim um achado, pois expressa o que penso de forma magnífica. Meu paladar sempre preferiu os frutos da terra, frescos, coloridos e suculentos, desconfiando de alimentos que precisavam virar biscoitinhos para se tornarem apetecíveis.

Algum tempo depois de abandonar a carne, deixei de fumar, vício (a palavra incomoda?...) que cultivei durante muitos anos, quando trabalhava em empresas multinacionais em ritmo estressante. Na verdade, o vício já veio de casa, pois sempre vi meus pais fumando.

Na mesma época - lá pelo fim da década de 70 (já deu pra adivinhar minha idade!) - comecei a praticar anti-ginástica, do-in, yoga, e aos poucos fui substituindo alimentos refinados por integrais, evitando o açúcar, o pão e arroz refinados, incorporando ao cardápio diário alimentos ricos em nutrientes nobres como o germe de trigo, a levedura de cerveja, o mel puro, nozes e castanhas, algas marinhas, iogurte etc. Esse último, aliás, não foi uma descoberta, mas uma das minhas paixões de infância! Naquela época era vendido em potes de vidro e só de lembrar me dá água na boca, um sabor inesquecível...

No fundo, não foi bem uma mudança de hábitos, mas uma reavaliação de heranças culturais e uma tomada de posição diante de atitudes impostas ou adquiridas sem questionamentos. Aos poucos, fui assumindo minha própria responsabilidade pelos atos relativos aos cuidados ou descuidos para com o meu organismo, que nunca haviam sido revisados, e se arrastavam automaticamente por décadas. Era o que se entende por viver no piloto automático. Assim como eu fazia, muitas pessoas assumem certos hábitos como uma herança indiscutível e irrevogável, já que todos fazem...

O que me permitiu conquistar a saúde não foi a mudança de hábitos, mas o aprendizado de como lidar com as mudanças, dia a dia. Não existe um dia igual ao outro e toda situação merece um olhar de atenção e cuidado. A vida vem sem bula, é um desenrolar de acontecimentos onde as fórmulas que você utiliza precisam ser testadas, se quiser ter saúde. Essa conquista é fruto de um cuidado com a vida, onde tudo é transitório, menos o eterno estado de transformação. Mas chega uma hora, quando você tiver revisto e adquirido consciência de seus hábitos diários, que tudo flui com mais clareza, as dúvidas diminuem e o caminho se torna leve.

Hoje eu percebo a saúde como uma terra firme de onde vejo o mar esbravejar, sem medo de suas ondas. Não se trata - é claro - de invulnerabilidade. Como humilde habitante deste universo infinito, sei perfeitamente que a minha vida pode ser ceifada a qualquer momento, de acordo com desígnios que desconheço. Difícil, porém, abalar minha vitalidade, a não ser que eu vacile e o permita, como já ocorreu muitas vezes. Dores de cabeça, transtornos da digestão, inflamações, indisposição, gripe, problemas de coluna, que mais?... A solução está em minhas mãos. Hoje sinto-me uma verdadeira bruxa!

Um dos meus mestres, Manuel Lezaeta Acharán*, chileno e autor de Medicina Natural ao Alcance de Todos, resumiria a questão da seguinte maneira: meu sangue está (razoavelmente) limpo e circula (mais ou menos) livremente pelas várias partes do corpo; procuro fechar as portas para microrganismos perigosos e outros agressores, como alimentos tóxicos ou químicos; tento evitar excessos (embora muitas vezes durma pouco...); faço exercício para manter pele e músculos ágeis e flexíveis, os pulmões energizados, o cérebro oxigenado. Coloquei entre parênteses algumas expressões que mostram as dificuldades de se viver numa cidade como São Paulo e de superar o estresse emocional, uma das maiores causas de desequilíbrio da saúde. Esse é talvez o maior tendão de Aquiles da própria condição humana! Você concorda com isso?...



* Ovídio - METAMORFOSES
* Manuel Lezaeta Acharán - MEDICINA NATURAL AO ALCANCE DE TODOS (há outras citações a respeito do grande Lezaeta, em outros capítulos deste livro.)


(Na dúvida sobre a ordem dos capítulos deste livro, volte para o Índice.)

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