6. Humanidade doente


Como ser feliz, como ser saudável, num mundo que
nos apresenta suas múltiplas chagas em todos os telejornais
vespertinos, na hora do jantar?


O meio para nós mais imediato é o meio social em que vivemos. É também o mais difícil de transformar e de abandonar...

Desde que começamos a usufruir da comunicação de massa, se nos apresenta um mundo extremamente complexo. Hoje temos consciência da imensa diversidade dos meios sociais em nosso planeta, desde o primitivismo de certas tribos e populações, até à grande sofisticação tecnológica de algumas sociedades.

Ao lançar um olhar global sobre a nossa Terra, uma triste constatação: a humanidade está doente. Não se trata da soma das pessoas doentes, mas de um estado comum a quase todos, em maior ou menor grau. Não acredito que alguém possa ser saudável nem feliz sozinho. Fazemos parte de uma sociedade da qual recebemos influências e sobre a qual também atuamos. Como ser feliz, como ser saudável, num mundo que nos apresenta suas múltiplas chagas em todos os telejornais vespertinos, na hora do jantar?

Seja qual for a sociedade em que estivermos inseridos, tendemos cada vez mais a nos sentirmos cidadãos do mundo, nesse contato diário com a vida e os problemas de outros países. 

Não existe felicidade sem saúde, nem saúde sem felicidade. Esta velha máxima naturista encerra uma sabedoria incomum. Vivemos em um mundo mais ou menos infeliz e não adianta tapar o sol com a peneira, como tentamos todos os dias, fazendo de conta de que aqui não tem guerras, chacinas, violência, miséria, desemprego, medo, ódio, depressão, desamor, desilusão, tédio, desmotivação, doença.

Exercícios de pensamento positivo, meditação ou mentalização podem melhorar a nossa situação pessoal, mas pouco vão ajudar a coletividade, a curto prazo. Para promovermos mudanças na sociedade é necessário um esforço de engajamento. Digo isto porque há anos decidi arregaçar as mangas e entrei em movimentos a favor da educação pública, da ética na política e da transparência do orçamento público, em um país com tanta desigualdade social.

De modo geral, a sociedade organizada em sistemas rígidos oprime e sufoca o cidadão, tolhe sua liberdade individual e procura engessar sua vontade. Isso vale também em países ditos democráticos, mas na prática geridos de forma autoritária, como o nosso. Aqui você vê a Constituição sendo constantemente remendada ou até sumariamente violada!

Pelas informações diárias que recebemos de todos os cantos do planeta, viver num mundo doente faz parte da nossa realidade, dos nossos hábitos e da conveniência social. Mudar a situação é tarefa titânica e tal transformação só vai ocorrer quando tudo estiver absolutamente insustentável para a a grande maioria da espécie. Por enquanto, os valores estabelecidos e tolerados, como a separação da sociedade em classes dominantes e dominadas, a valorização das posses materiais, o exercício da deslealdade, o monopólio da inteligência por pessoas vip, mantenedoras dos segredos que regem o nosso mundo, parecem inabaláveis. Haja saúde mental, emocional ou até mesmo espiritual, quando vemos tantos conflitos gerados em nome de missionários que deram a vida pela paz da humanidade!

Um dos pilares da nossa sociedade é a medicina dita cartesiana, composta por uma classe satisfeita com sua posição social, que movimenta uma máquina bilionária, em estreita parceria com a indústria farmacêutica. Estou falando de uma classe e não dos médicos individualmente...

O que esperar do médico, para promover a cura deste mundo doente? Que cuide não apenas de seus pacientes, mas da saúde coletiva.  A partir do século XVIII, na Europa, nasceu timidamente o conceito de Medicina Social, que surgiu após o controle da varíola e o início de nova epidemia de cólera. Foi quando vingou a ideia da importância do saneamento básico, da descontaminação das águas e do ar. Assim iniciou a coleta e a destinação racional do lixo, o alargamento das ruas das cidades, o combate às pragas e a restrição da circulação de animais.

Até hoje não avançamos muito nesse quesito, principalmente em nosso lindo país, onde quase (ou mais de) 40% dos domicílios ainda não possuem esgoto tratado ou até mesmo água encanada... Mas a questão não abrange apenas problemas concretos de saúde pública, hoje reconhecidos em todo o planeta. Talvez, a causa da doença coletiva que contagia a maioria dos países seja a hipocrisia que desenvolvemos ao construirmos uma humanidade que prega liberdade, igualdade e fraternidade, mas ainda está nitidamente dividida entre opressores e oprimidos. Uma humanidade que em muitas sociedades considera todos  iguais perante a lei, mas possui inúmeros dispositivos para manipular e burlar a legislação. Assim, seres humanos classificados como iguais ou até irmãos, de acordo com as nações de onde provêm e as religiões que professam, nutrem, uns pelos outros, sentimentos de ódio que podem levar a uma guerra civil. Temos visto muito isso neste início de novo milênio...

Por outro lado a família, instituição construída a imagem e semelhança da própria sociedade, tem mudado bastante mundo afora, o que deixa uma certa esperança no ar.

A Medicina Social, que visa ajustar o ser humano ao meio em que vive, não apenas no aspecto material, mas principalmente do comportamento social, parece-me deter a chave da nossa saúde enquanto espécie. Aparentemente, não estamos ainda prontos para uma transformação tão profunda. A Organização Mundial da Saúde - OMS divulga e defende há décadas a Medicina Social, mas essa prática ainda é rara.

Precisamos assumir nossa Natureza Humana e lutar por ela, conscientes de que é uma luta difícil. Até hoje, a humanidade produziu seres tão diferentes como Adolf Hitler e Mahatma Gandhi, o que exige muita reflexão...


(Na dúvida sobre a ordem dos capítulos deste livro, volte para o Índice.)

Comentários