5. Harmonia com o meio



Quando estamos em desarmonia com o meio
em que vivemos, isto se traduz em doença, ou seja,
o meio nos agride.

Orquídea que amarrei a uma árvore do meu jardim e vingou, apesar do constante 
"ataque" de meus gatos, que vivem arranhando as folhas...

Afinal, eu sou o que? Naturalista, naturista, natureba?

Respeito conceitos, mas dispenso enquadramentos. Quanto à natureza, ela vai muito além de paisagens bucólicas e compreende praticamente todo o mundo em que estamos mergulhados. Nós também somos natureza, apesar de habitantes sui generis desta planeta. Às vezes giramos com maior rapidez do que ele e acabamos tropeçando em nossos próprios pés, na ânsia de conquistarmos cada vez mais espaço e poder. Com o passar dos milênios, transformamos um mundo aparentemente inóspito e cheio de perigos num lar acolhedor que podemos percorrer além da velocidade do som. Isto é fantástico e precisa ser valorizado! Embora às vezes eu tenha vontade de viver em uma taba ou em um iglu...

Adianta chorar sobre o leite derramado? Os que lamentam e denunciam os movimentos voluntários e involuntários de destruição que ocorrem em todo o planeta ao longo de milênios - de espécies animais ou vegetais, alterações geológicas, climáticas etc. - são úteis censores, mas sua atuação seria mais profunda se fossem ativistas, se fizessem um retrospecto histórico e uma projeção para o futuro, buscando soluções e fazendo a sua parte. Irritam-me certas posturas incoerentes, como a dos churrascos que marcam as reuniões de certas sociedades protetoras dos animais.

Em todas as épocas da humanidade, cada povo, cada agrupamento, tinha e tem seu relacionamento próprio com a natureza, movido a princípio pelo instinto de sobrevivência, de defesa e perpetuação da espécie. À medida que essas necessidades básicas foram se tornando mais brandas, deixando lugar à busca do bem estar e do prazer, parece-me que aquela ligação primeira com a natureza foi se afrouxando, tornando nós humanos mais vulneráveis a fenômenos com os quais perdemos a familiaridade. Nós civilizados, por exemplo, mesmo possuindo bastante conhecimentos teóricos sobre a vida na mata virgem e nos cursos d'água, corremos muitos perigos por lá. O índio (aquele que ainda vive livre na natureza...), acostumado a interpretar os murmúrios da floresta e do vento, e a sentir a aproximação de animais selvagens, sente-se à vontade nesse ambiente e tem dificuldades de adaptação num habitat menos primitivo. Isto não significa que o indígena seja mais natural do que o civilizado, apenas que ele está bem inserido e harmonizado no meio em que vive.

Em geral, a necessidade ou a ganância de outrem é que arranca o homem do seu pedaço de chão, muitas vezes com sofrimento e pesar. Cada mudança, porém, representa um desafio e pode tornar-se uma conquista.

Pena  que o civilizado faça questão de esmagar o indígena, valendo-se de sua superioridade em número e armas. Por que não estender a mão ao irmão índio, pedindo-lhe que nos ensine os segredos das matas, em troca da soberania nas terras onde seus antepassados se fixaram? Mas os constantes choques culturais mostram quanto ainda estamos longe de viver num planeta harmonioso...

Natural, para mim, é tudo aquilo com que nos harmonizamos, que nos dá conforto, aconchego e saúde. Este é o eixo de equilíbrio que procuro buscar.

A reflexão sobre o meio foi fundamental para a modificação do meu modo de pensar. Todos estamos mergulhados num meio, composto de ar, terra (muitas vezes coberta de asfalto...), pessoas, objetos, plantas, animais, informações, mensagens. Enfim, de tudo o que nos rodeia ou que buscamos pessoalmente. Dependendo das circunstâncias, de nossos interesses e vontade, podemos modificar o meio em que vivemos.

Estar em harmonia com o meio significa estar satisfeito, vibrante, saudável. E mais: perceber as modificações positivas que conseguimos operar, ter incentivo para o trabalho, para nos tornarmos cada vez mais atuantes no progresso do nosso ambiente.

Quando estamos em desarmonia com o meio, isto se traduz em doença, ou seja, o meio nos agride. Pois na natureza predomina a busca pela sobrevivência e pelo aperfeiçoamento das espécies, enfim, a autoafirmação. Mas a agressão pode também servir como estímulo à defesa e fortalecimento da vítima.

Dentro de nossa Natureza Humana, também, precisamos aprender a fazer nosso jogo. Se vivermos num estado constante de medo, revolta, indiferença, inércia ou outra atitude não construtiva, estaremos sujeitos a constantes ataques externos. Aos poucos, poderemos nos desestruturar em vários níveis: familiar, profissional, social, físico, emocional.

Às vezes aceitamos passivamente o meio em que somos colocados ao nascer e temos medo de questioná-lo, temendo a solidão, a perda, o sofrimento. É a dificuldade de sair da zona de conforto, mesmo que não seja assim tão confortável... Não percebemos que o simples fato de existir não nos garante a posse duradoura do que nos foi concedido ao nascer, e que precisamos trabalhar para abrir o nosso espaço. À medida que estivermos atuantes no ambiente em que vivemos, plantando e colhendo, aí sim, estaremos crescendo junto com o meio, criando raízes e defesas contra oportunistas.

Lembro-me da Parábola dos Talentos, que demorei muito tempo para compreender em profundidade: só quem faz frutificar seus bens é seu real possuidor. Quem se limita a conservá-los desvaloriza seu patrimônio, podendo perdê-lo a qualquer momento. É preciso atuar sobre o meio, do contrário a sobrevivência é difícil e o progresso, impossível.

Sabemos que o nosso planeta sofreu inúmeras transformações ao longo dos bilhões de anos que existe. O aparecimento da vida sobre a terra se deu através de transformações muito lentas. E, enquanto existir vida neste planeta, novas transformações irão ocorrer, em moto perpétuo.

A infância da humanidade não parece ter sido tranquila: a luta pela sobrevivência foi muito árdua e a inteligência, em seu desabrochar, nos indicou caminhos a trilhar. As tribos, por exemplo, protegiam-se de animais selvagens ao isolar-se na mata e refugiar-se em cavernas, praticando transformações no meio e desbravando-o até tornar-se propício à habitação. Por sua vez, os animais selvagens ainda hoje evitam aproximar-se dos centros habitados, onde se sentem ameaçados, e procuram manter-se confinados na selva.

Se algum circo levar umas feras a um centro urbano e elas escaparem das jaulas, ninguém pode calcular ao certo quantas serão as vítimas. Acredito que o mesmo acontece em relação à nossa saúde. Primeiramente, precisamos escolher o meio no qual temos condições de sobreviver sem corrermos grandes riscos. Em seguida, sermos vigilantes e prevenidos no que se refere à possível agressão ou invasão de intrusos - microrganismos, alimentos prejudiciais, ingestão de química, mudanças de clima, poluição etc.

Desde os primórdios, demonstramos grande versatilidade em adaptar-nos a condições adversas. Pudemos nos instalar nos mais diversos meios, em regiões quentes ou frias, junto ao mar ou a grandes alturas, modificando os costumes e a forma de viver de acordo com cada lugar. Tudo isto faz parte da necessidade de adaptação ao meio. Por não sentir o condicionamento de instintos rígidos, o ser humano pôde migrar para os mais variados ambientes, precisando porém modificar seus hábitos, a fim de se adaptar.

Nem sempre nossos ancestrais puderam entrar em sábia sintonia com o meio em que escolheram viver, e muitos foram exterminados pelo frio, pelo calor, tempestades e outros fenômenos naturais, como aliás ocorre ainda hoje. À medida que a inteligência se desenvolveu, ficou cada vez mais fácil transformar o meio de acordo com as próprias necessidades. Na Holanda, por exemplo, até conseguiu-se baixar o nível do mar! Pensar nesse tipo de coisas me arrepia, pois a concepção de certas obras mostra o enorme potencial da Natureza Humana. Mesmo assim, de modo geral estamos aquém de termos algum controle sobre a natureza externa e parece que as incógnitas vão dobrando a cada descoberta. Além disto, há o sistemático efeito de modificação do meio - toda alteração no ambiente implica na destruição ou remanejamento de alguns elementos.

Há milênios, nós humanos operamos alterações neste planeta sem termos uma clara ideia de até que ponto elas afetam o equilíbrio da natureza que nos acolheu. Nos sentimos donos e senhores das terras que conquistamos, e pouco nos importamos em refletir sobre as consequências do nosso trabalho de desbravação e modificação do meio, a médio e longo prazo. Dificilmente nos preocupamos com as gerações futuras. Somos, até hoje, imediatistas. O nosso interesse, nosso amor pelo chão onde pisamos não vai além da nossa própria sepultura - se é que chega até lá. A leviandade com que, por exemplo, se constrói uma usina nuclear num lugar onde concentram-se extraordinárias belezas naturais, é um pequeno exemplo do descaso do ser humano com a natureza. Agora, o fato dessa mesma usina ter sido construída sobre terra conhecidamente não-firme, é a mais aberrante prova da nossa insensatez e falta de consciência, que nos permite sermos mudas testemunhas de tamanho absurdo.

De modo geral, como espécie, estamos correndo um sério risco, pois não está descartada a possibilidade de um suicídio nuclear, como disse Konrad Lorenz, prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, alguns meses antes de morrer. Por mais que se denunciem casos de desrespeito e agressão ao meio ambiente, nos escapa a visão de conjunto, a soma de todos os estragos, para que possamos medir a extensão dos riscos aos quais o planeta e a nossa espécie estão expostos. Quantas toneladas de poluentes são anualmente despejadas nas águas do planeta? Quantos acidentes nucleares ocorrem a cada ano e qual seu real alcance, a médio e longo prazo? Qual a área destruída a cada ano nos paraísos ecológicos que ainda nos restam?...

Moro no Brooklin, um bairro movimentado de São Paulo, a uma esquina da avenida Santo Amaro. Atrás e dos lados da minha casa, num raio de cerca 500 metros, estão instalados dois laboratórios químico-farmacêuticos. Diariamente, estranhos odores misturam-se ao ar e o poluem. Há alguns anos, a caldeira de um dos laboratórios estourou, danificando carros estacionados na rua. Felizmente, o acidente ocorreu de madrugada e não houve vítimas. Acidentes acontecem por falta de prevenção e, geralmente, só depois deles se tomam as precauções necessárias...

Precisamos ampliar nosso interesse pela natureza, reaprender a olhar, cheirar, tocar, valorizar o que nos cerca e procurar compreender a função de cada elemento. Precisamos deixar de ser sumários destruidores do que não nos agrada e refletir antes de construir algo que pode tornar-se instrumento de aniquilação. Acredito que o equilíbrio da natureza, tão difícil de compreender, está estruturado num jogo de forças que só podemos medir através de muita observação, numa atitude de respeito.

Precisamos deixar de nos colocar no centro do universo e aceitar nossa condição de caminheiros da vida, companheiros e não inimigos ou verdugos, mas auxiliares de outros seres que compõem a natureza. De que adianta construirmos uma fortaleza imaginária, que pode ser destruída a qualquer momento? O nosso habitat nos oferece sustentação, desde que tenhamos a atitude de contribuir, de nos doar. Se o meio em que vivemos nos parece rude ou hostil, se sentirmos a impossibilidade de continuar nele, precisamos procurar outro ao qual possamos nos adaptar melhor.

Mas, enquanto tivermos a possibilidade de transformar uma única semente em flor, seremos como mágicos diante dos quais a natureza se curva e agradece.


(Na dúvida sobre a ordem dos capítulos deste livro, volte para o Índice.)

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