8. Doença = agente provocador x vulnerabilidade



O princípio naturista é tão simples que parece um
trocadilho: quem tem saúde não fica doente



A equação doença = agente provocador x vulnerabilidade significa que doença não é para qualquer um... Na realidade, fica doente quem pode e não quem quer. Experiências comprovadas mostram que não basta ministrar substâncias tóxicas a uma pessoa para garantir que haja prejuízo. 

(Ok, não estou falando aqui de cicuta, rs, que na dosagem ministrada a Sócrates seria fatal para qualquer um. Entretanto, a mesma cicuta (planta chamada conium maculatum) é usada na homeopatia em doses infinitesimais para o tratamento de vários males.)

Para alguém ficar doente tem que ter uma predisposição orgânica, caso contrário as defesas entram em ação e podem neutralizar as toxinas. O princípio naturista é tão simples que parece um trocadilho: quem tem saúde não fica doente.

O mestre Lezaeta* costuma repetir que a saúde se resume a sangue puro, circulando livremente pelo organismo. Na época em que descobri esse pioneiro da medicina naturista, lá pelo fim da década de 70, esse conceito era considerado uma heresia, já hoje está começando a ser compreendido até no meio médico dito cartesiano (detesto essa expressão, mas é assim que muitos profissionais da medicina gostam de ser chamados, embora tenha minhas dúvidas se o grande Descartes concordaria com isso... rs).

Confesso que demorei alguns anos para compreender toda a profundidade desse conceito e de vez em quando fazia questão de testá-lo, esperando encontrar alguma falha. Na verdade, não gosto é de algumas posturas dogmáticas de Lezaeta, que recomenda por exemplo o temor a Deus e a abstinência sexual. Mas tenho que dar a mão à palmatória, seu conceito de saúde é claro e profundo. 

Vejamos: se o sangue é puro, isto significa que o interior do organismo também está livre de toxinas, que são drenadas e expelidas pela urina, suor, fezes etc. Toda a logística - para usar uma expressão moderna - do transporte das toxinas é realizada pelo próprio sangue. As falhas na circulação sanguínea começam quando há excesso de toxinas que o organismo não consegue expelir pelas vias normais, no ritmo ideal. Assim, essas toxinas excedentes tendem a se depositar em pontos críticos, onde ocorre estagnação. Podemos fazer uma comparação entre o nosso organismo e uma cidade. Tudo o que se consome em nossas casas deixa resíduos, isto é, produz lixo. E livrar-se do lixo é uma necessidade diária. Numa cidade bem organizada, o lixo é recolhido em lugares estratégicos e com regularidade, para evitar acúmulos, depois levado para longe da aglomeração urbana, onde representa séria ameaça para a saúde do povo. Assim é que surgiam as epidemias de antigamente: o lixo era acumulado em monturos e vasculhado por animais e mendigos. A falta de esgotos e os cadáveres mal sepultados empestavam as cidades. A água que o povo bebia era geralmente contaminada. Quando o saneamento básico começou a se tornar uma realidade, as epidemias foram rareando.

Como se explica então que, mesmo em ambientes limpos, ainda existem casos como a hepatite, misteriosas viroses e até bactérias assassinas?

Entra aqui um fator importantíssimo da filosofia naturista, que é a limpeza interna do organismo, que garante a qualidade e a circulação do sangue, bem como a saúde dos órgãos. Esse fator é que determina o grau de vulnerabilidade ao agente provocador. 

Uma cidade onde o lixo é recolhido diariamente é menos povoada por ratos ou insetos, que ameaçam a saúde da população, disseminando micróbios e doenças. Imaginemos agora uma outra cidade, onde haja falhas na coleta do lixo e onde determinadas áreas se tornem focos de contaminação. O que fazer, por exemplo, com um depósito de lixo onde há vários meses se atiram diariamente resíduos que entram em estado de decomposição? Como iniciar uma limpeza nessa área sem colocar em perigo a saúde dos moradores da região, ao espalhar pelas ruas ratos, baratas e outros insetos? A melhor solução é, normalmente, atear fogo ao lixo, extinguindo-se o problema e tomando-se cuidado para que o fogo não se alastre além do necessário. Após a queima, removem-se as cinzas e pode-se então reurbanizar o local. Será porém contraproducente deixar que essa área se torne novamente um depósito de lixo! Certo?

Nosso organismo funciona mais ou menos como uma cidade. O acesso a todos os órgãos se dá através da circulação do sangue, da mesma forma como as ruas e avenidas de uma cidade levam aos diversos endereços. O sangue abastece as várias partes do corpo com seus nutrientes e faz, também, a coleta do lixo. Se a circulação for eficiente, tanto o abastecimento quanto o recolhimento das toxinas funcionarão a contento.

Se houver falhas no sistema circulatório, algumas partes do corpo poderão tornar-se depósitos de toxinas. Por outro lado, muitos problemas circulatórios são causados pela própria má qualidade do sangue, quando torna-se viscoso e não consegue irrigar bem todas as partes do corpo, muito menos continuar a coleta do lixo...

Há casos em que os maiores depósitos de toxinas se encontram junto às vias de saída do organismo - intestino, rins, pele etc - congestionando-as e impedindo a eliminação. Ou então junto ao pulmão e às vias respiratórias, impedindo a boa respiração e a oxigenação do sangue.

Voltando à comparação com a cidade, imagine se os lixeiros removessem o lixo do centro e o largassem todo na periferia, cercando a cidade de sujeira, impedindo o acesso e e a saída de veículos. As vias de saída do organismo são os órgãos excretores e sua limpeza é de importância vital! Por exemplo: fezes retidas longamente no intestino são reabsorvidas pelo sangue e provocam sérios problemas de saúde. Mucos e catarros retidos na garganta e nas cavidades nasais podem congestionar todo o aparelho respiratório, dificultando a entrada e saída do ar. Tudo isso significa que não é suficiente fazer-se a coleta do lixo, ele precisa ser eliminado do corpo rapidamente. 

Suponhamos então que durante algum tempo tenham-se acumulado toxinas numa região qualquer do organismo, e que as vias de saída estejam congestionadas. Qual a solução? Sabiamente, o organismo desencadeia um mecanismo de autopurificação muito simples e eficaz. Já adivinhou?...

A febre!

Está certo que muitas vezes o estopim que provoca o incêndio é um ataque externo de vírus, bactérias etc. Mas a causa primeira é que os germes foram convidados e só puderam se instalar no organismo graças ao alimento que ali encontraram, as toxinas que os sustentam. 

Existe um conceito bastante divulgado dentro do meio naturista: O micróbio não é nada, o terreno é tudo. Essa afirmação de Claude Bernard, cientista francês do século XIX, está em contraposição ao princípio da microbiologia, que faz do micróbio o grande vilão dos problemas de saúde. 

E agora?! Qual das duas teorias é a correta?...
Parece-me que ambas pecam pelo extremismo. E o equilíbrio da natureza, onde fica?

Cada ser vivo nasce dentro de um meio onde existem condições que permitem seu aparecimento. Se essas condições forem boas, seu desenvolvimento será bem sucedido e sua sobrevivência possível. Se não forem propícias, ele poderá correr risco de vida. Esta é a lei, igual para todos os seres. Como portanto afirmar que o micróbio tudo pode... ou nada pode...?

Olhando friamente para o micróbio - sem microscópio, que assusta, rs - vemos que ele está correndo exatamente os mesmos riscos que qualquer outro ser da natureza.

Sigamos para uma excursão a um necrotério. Mórbido, não?... Um dia tive uma longa conversa com um técnico em necrologia, um especialista que faz autópsias. Ele me contou que viu inúmeros colegas adoecerem gravemente e alguns perderem a vida por causa do trabalho em necrotério. O primeiro problema era a falta de equipamentos que isolassem os profissionais adequadamente dos germes. Isto faz muito sentido. Nesse ambiente, quem estiver sem proteção adequada estaria ameaçado, pois os micróbios são classe dominante, estão com o poder. E a união faz a força!

Como dissecar um cadáver sem a devida proteção? Insensatez, ignorância ou, ainda, irresponsabilidade...

Sigamos agora o técnico em necrologia ao sair do trabalho. Digamos que ele resolva ir a um barzinho para relaxar. Ele senta-se ao balcão, solta o colarinho e pede um aperitivo. Mesmo que ele tenha usado equipamentos seguros para proteger-se durante o trabalho, alguns dos germes contatados pegaram carona com ele até ao barzinho. Não querendo tomar a parte dos vilões, precisamos convir que agora eles são minoria. Num ambiente onde há circulação de ar ou não existem muitas matérias em estado de decomposição, o habitat é diferente. Lá, com certeza, os micróbios turistas é que vão se sentir ameaçados. E onde é que tentarão procurar abrigo? Em qualquer lugar onde tiverem condições de proliferar. Com certeza vão travar uma batalha cega e rápida pela sobrevivência, pois qualquer raio de sol pode exterminá-los. 

Vamos envolver na história o garçom do bar. Digamos que ele resolva bater um papo com o técnico ou contar-lhe alguma piada. Os micróbios turistas, que imagino atordoados pela viagem involuntária a um lugar inóspito, vão aproveitar a presença de um corpo humano próximo e instalar-se nele. Nada mais convidativo que uma boca quente e escancarada. Nesse caso eles estão sujeitos a perder a batalha. Talvez alguns até consigam penetrar no novo ambiente, mas, se as defesas orgânicas do tal garçom estiverem a postos, a resistência ao ataque microbiano será maciça e os turistas perderão a vida, fatalmente. 

Mas não estupidamente quanto os turistas que costumam visitar vulcões em erupção e se aproximam da lava além dos limites permitidos e conhecidos. Esses perdem a vida sabendo dos perigos que estavam correndo. Os micróbios, esses que foram do necrotério para o barzinho, não tinham sido avisados que a viagem poderia ser a última. 

Desculpe o parêntese, mas a mídia já divulgou um novo caso desse tipo e sempre me pergunto por que o ser humano gosta tanto de desafiar seus limites e arriscar a vida...


* Manuel Lezaeta Acharán - MEDICINA NATURAL AO ALCANCE DE TODOS (há outras citações a respeito do grande Lezaeta, em outros capítulos.)


(Na dúvida sobre a ordem dos capítulos deste livro, volte para o Índice.)

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