2. O respeito



Quem sou eu para querer vasculhar dentro 
dos pensamentos do médico - este monstro sagrado
do nosso tempo?


Mandala é arte e terapia

Por considerar-me um grão de areia, boiando e brilhando ao sol, sinto grande alegria de me relacionar com outros grãos - sem medir tamanhos. Tudo é relativo e as escalas de valores são meras convenções. Como medir tamanhos, se existem tantos pesos e medidas?

Tudo o que veio antes de mim merece meu respeito e consideração. Tudo o que convive comigo, também.

Travo uma longa e antiga luta contra o preconceito; reconheço que já errei muito por julgar apressadamente o que desconhecia. Hoje estou consciente de que a ânsia de julgar é um produto do preconceito, uma tentativa de mantermos uma posição que acreditamos ter conquistado - por medo de estarmos pisando no vácuo.

No entanto, esta é a única verdade que conhecemos. Estamos boiando num universo infinito, do qual ainda pouco conhecemos e a única saída que temos é... aprender a voar. Podemos conseguir, se não nos enrijecermos e despencarmos no abismo. Esse voo é no começo tão difícil e arriscado quanto o de um pássaro em meio a uma tempestade. O aprendizado é longo, aliás infinito - como o próprio infinito. E mesmo quando nos tivermos transformado de grãos em sóis, qual será a nossa significância em comparação com o infinito?...

Demorei muito para desenvolver esse grau de respeito. Na sociedade ocidental, somos desde cedo bombardeados pelo espírito de competição. Toda manhã nos olhamos no espelho atentamente, procurando saber como os outros nos vêem e procuramos nos adequar, para podermos participar da competição do dia e sairmos vitoriosos. Como se não tivéssemos uma essência interior muito mais rica da que aparece no espelho!

E assim também olhamos para os outros com espírito crítico, desconfiança, competitividade. Desta forma, perdemos o contato com o ser único que somos, nem lhe damos oportunidade de emergir. Uma exposição pode ser fatal!...

Refleti muito sobre a situação do médico nos dias de hoje, principalmente em nosso país. Ainda quando estudante de medicina, ele enfrenta enormes desafios que o impelem à competição. O estudo é intenso, os exames exigem grandes esforços, os primeiros anos de prática médica são estressantes e o peso da responsabilidade, enorme. Tantos desafios deixam pouco lugar para uma meditação sobre a vida e o próprio papel da medicina. 

Conheci médicos mergulhados em dúvidas, sem domínio sobre aquele que deveria ser seu maior campo de realizações, a saúde. O médico que não consegue desenvolver uma filosofia de saúde pode tentar esconder de si mesmo seus conflitos internos, para não se desestruturar.

Mas... quem sou eu para vasculhar os pensamentos do médico, esse monstro sagrado do nosso tempo? Apenas uma ex-paciente, uma im-paciente que aprendeu a andar com os próprios pés, uma autodidata cujo único diploma é a própria saúde.

A esse médico de quem falei, e que imagino angustiado, frustrado ou confuso, desejo que consiga encontrar coragem para recomeçar. Não é o caso de atirar tudo pela janela. Todas as experiências, principalmente as negativas, são conhecimentos preciosos que devem ser preservados e avaliados. O que vale jogar pela janela são os preconceitos, os ufanismos, a... arrogância, que muitas vezes senti nas palavras e na rispidez de alguns profissionais da medicina, aqueles que não respondem perguntas e despacham seus pacientes sem esclarecimentos.

Estamos todos na mesma embarcação. Se os membros de uma tripulação forem se afogando uns aos outros, os poucos sobreviventes dificilmente conseguirão dirigir o barco a contento. É incrível como a competição produz preconceitos e restringe as possibilidades de conhecimento, as trocas! Muitas vezes, médicos de orientações ou especialidades diferentes olham uns aos outros de soslaio, com desconfiança e pouquíssima abertura para conhecer, aceitar ou absorver as experiências alheias. Cadê o respeito?...


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